Lembro até hoje o dia em que a encontrei. Ou o dia em que ela me encontrou. No meio de tantos outros, alguns até bem melhores que eu, ela me escolheu. Seus olhos percorreram meu corpo e ela sorriu. Aquele sorriso, nunca mais o veria de novo. Pouco tempo depois, conheci sua casa. Pequena, mas adorável.
Depois disso, passei a vê-la todos os dias. Ás vezes, até mais de uma vez por dia. Mas parecia que ela não se importava tanto, nunca mais vi seu sorriso. Em compensação, ela sempre me agraciava com sua voz. Um pouco desafinada, mas apaixonante. Quase sempre cantava para mim e eu me contentava em ouvi-la.
Aprendi a decifrar seus sinais. Quando estava feliz, cantava, se não, mantinha aquele silêncio angustiante, ou ás vezes, falava sozinha, como se eu não estivesse lá. Me irritava não poder fazer nada para alegrar seu dia, apesar de parecer que, de algum jeito, eu o fazia : Quando ela estava chateada, passava mais tempo comigo.
A vi chorar em silêncio, e isso me fez pensar que fosse seu melhor amigo. Estava enganado. Passei bastante tempo a assistindo ficar com homens, algumas vezes até na minha frente. Mas eu continuava lá.
Ela começou a inventar desculpas para não me ver mais, como o frio ou o compromisso com outro.
Chegou o Verão e, logo quando eu pensava que ela voltaria para mim, ela sumiu. Encontrou-me um dia de manhã e ficou longe por um tempo. Não sei exatamente quanto tempo, pareceu um século. Fiquei sozinho no escuro, não conseguia nem chorar. Estava Sol quando a vi de novo. Ela não me viu, no entanto. Apenas passou por mim e saiu de novo. Rezei que estivesse de volta permanentemente, mas ela manteve o mistério por algum tempo. Então, fiquei muito feliz quando voltou a me encontrar todos os dias. Seus cabelos longos e molhados me faziam delirar e até sua lista de músicas ficou melhor. Ela estava extremamente feliz agora.
Demorei para entender o motivo, mas logo vi a aliança em seu dedo. Dourada, brilhante, me enojava. Eu estava lá quando eles tomavam café da manhã juntos, apenas espiava de longe. Fingia que não ligava quando ele encostava em mim. Achei que aquele amor fosse eterno, mas não era. Apareceu no mercado uma nova versão e ela me substituiu. Gravei na memória a sensação de ter cada veia arrancada, uma de cada vez. Prometi a mim que nunca mais me apaixonaria. Tarde demais. Se longe dela não tinha felicidade, longe dos meus fios, não tinha vida. Vi seus olhos em meu ultimo suspiro. Posso dizer que morri feliz.
Roberta Moraes
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